Cyberbullying na Web 2.0 (Orkut) e a Responsabilização Civil Objetiva
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Thiago Graça Couto
Advogado associado da Covac Sociedade de Advogados, Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e em Direito da Tecnologia da Informação pela Fundacão Getúlio Vargas – FGV-Rio, mantenedor e desenvolvedor do blog Advocacia e Tecnologia – Advtecno.com.
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Advogado associado da Covac Sociedade de Advogados, Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e em Direito da Tecnologia da Informação pela Fundacão Getúlio Vargas – FGV-Rio, mantenedor e desenvolvedor do blog Advocacia e Tecnologia – Advtecno.com.
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Inicialmente, cabe a definição do que seria cyberbullying, verbete oriundto do vocábulo inglês bullying[1].
Sucintamente, cyberbullying representa o uso da tecnologia da informação para a prática de atos hostis, deliberados e repetidos, por um indivíduo ou grupo de indivíduos, em direção a outro indivíduo ou grupo de indivíduos[2].
São cada vez mais comuns os casos de cyberbullying em redes sociais da chamada Web 2.0[3], tais como Orkut, Facebook, MySpace, Twitter e assemelhados. Neste estudo, iremos nos concentrar no Orkut, mantido pelo Google, tendo em vista sua enorme popularidade no Brasil.
Utilizado por milhões de brasileiros, o Orkut é uma ferramenta concebida para promover a interação social em um ambiente virtual. Para tanto, fornece inúmeras aplicações legítimas e benéficas, tais como discussões segmentadas em comunidades de interesses específicos.
Entretanto, como é da natureza humana, o Orkut não está livre de brigas e desavenças entre seus usuários, que muitas vezes deixam o patamar de mero desentendimento e transformam-se em verdadeiro cyberbullying. E quando isso ocorre, qual seria a responsabilidade do Google?
A primeira ponderação a ser feita envolve o tipo de relação existente entre o usuário do Orkut e o Google; seria ela de consumo? Em uma análise perfunctória, poder-se-ia concluir que não, na medida que trata-se de serviço oferecido sem qualquer ônus para o consumidor. Esta tese poderia ser defendida com a citação do §2º. do Art. 3º. do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe:
Art. 3º. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Pergunta-se: a expressão mediante remuneração acarretaria um óbice para aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações envolvendo usuários do Orkut e o Google?
Entendemos que não. A doutrina consumerista e a jurisprudência já consagraram a chamada remuneração indireta, onde o consumidor individual não tem gasto direto com uso de determinado serviço/produto[4], mas assim mesmo aplica-se o diploma consumerista.
Este é justamente o caso do Orkut.
Sabidamente, a principal fonte de receita do Google é a publicidade veiculada em todos os serviços oferecidos pela empresa. Desta feita, todos os usuários do Orkut contribuem indiretamente, ou mesmo diretamente, para a capitalização da companhia.
Portanto, ao nosso ver, inteiramente justificável a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da Teoria do Risco por ele consagrada. Destacamos abaixo decisão neste sentido do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
Ação de indenização por danos morais cumulada com pedido de condenação em obrigação de fazer, havendo pleito de antecipação da tutela, proposta pela 1ª. apelante em face da 2ª. apelante.Autora participante do Orkut, alegando que terceiro teria criado um novo cadastro com suas informações pessoais, copiando o seu perfil, fazendo-se passar pela própria autora naquela comunidade virtual, porém, difamando-a diante dos usuários, inclusive, amigos, o que, portanto, teria causado grave dano à sua imagem e à sua honra. Informa ainda que notificou a ré para que providenciasse a exclusão daquele cadastro falso, mas nada foi feito. Sentença que, considerando que houve falha da ré por não ter diligenciado a retirada do perfil falso da rede quando notificada pela autora, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a ré a pagar à autora a quantia de R$ 5.000,00, a título de reparação por danos morais, devidamente acrescida de correção monetária desde a data da sentença e juros leais desde a citação.Apelo de ambas as partes.Recurso da ré, contudo, que não merece prosperar, provendo-se parcialmente o da autora. A relação entre as partes é de consumo, sendo a segunda apelante prestadora de serviço à primeira apelante, sendo certo que, por este, é remunerada e muito bem remunerada através da publicidade de terceiros. Havendo relação de consumo, rege-lhe a responsabilidade o art. 14 CDC. Se discutida sua responsabilidade pela alteração do perfil, certo é que foi notificada para a exclusão.E, ante sua inércia, surge a responsabilidade. Ato ilícito caracterizado. Dano moral configurado.Valor indenizatório que não comporta redução e nem majoração, considerando-se o tempo decorrido entre o evento e a comprovação da retirada do perfil. Imputação, contudo, à ré dos ônus sucumbenciais.Inteligência da Súmula 326 STJ.Primeira apelação a que se dá parcial provimento, desprovendo-se a segunda. (TJRJ 2008.001.04540 - APELACAO CIVEL - 1ª Ementa DES. HORACIO S RIBEIRO NETO - Julgamento: 25/03/2008 - QUARTA CAMARA CIVEL)
Em outras palavras, ainda que o Google não seja o responsável direto pelo cyberbullying ocorrido no Orkut, deverá indenizar o consumidor pelos danos sofridos, na sistemática do Art. 17 do Código de Defesa do Consumidor.
Inclusive, relevante mencionar caso em que patrocinamos usuário do Orkut em ação de indenização por danos morais em face do Google e do praticante do cyberbullying, tendo o juízo monocrático acatado inteiramente a tese da remuneração indireta para caracterização da responsabilidade objetiva do Google.
Destacamos abaixo excertos da sentença proferida no caso acima aludido, onde 1º. Réu é o Google e 2ª. Réu a responsável pelo cyberbullying:
Primeiramente cabe analisar a argumentação do 1º réu de não ser fornecedor de produtos/serviços e, por conseguinte, a não aplicação da Lei 8.078/90. A tese está fundamentada na inexistência de remuneração pelo serviço prestado. A Lei 8.078/90 traz a definição de fornecedor no seu art. 3º e parágrafos, onde há o requisito da remuneração para o enquadramento naquela categoria. Entretanto, a doutrina pátria e a jurisprudência reconhecem existir diferença entre serviço oneroso/gratutito e remunerado. E neste passo o serviço é tido por remunerado mesmo quando a remuneração se dá de forma indireta, conforme decisões do STJ, REsp 566468/RJ e REsp 436.135/SP, quando a Corte reconheceu relação de consumo, respectivamente, em sítio de encontro e programa de televisão aberta. Assim sendo, o serviço prestado pelo 1º réu é remunerado. E no caso específico destes autos a causa de pedir se caracteriza como fato do serviço, pois a matéria ora discutida diz respeito à segurança do serviço prestado e a autora estaria enquadrada na categoria de consumidor por equiparação, na forma do art. 17 da legislação consumerista.
O 1º réu, como afirmado em sua contestação, hospeda páginas pessoais de seus usuários, através de perfis por eles criados. Entretanto, tal serviço não é estático, como por exemplo, uma propaganda, podendo ser atualizado minuto a minuto por seus usuários e existindo comunicação entre as pessoas que integram as comunidades. Em razão das características do serviço prestado, não se pretende que haja uma censura prévia nas comunicações dos usuários, mas não se pode permitir que tal meio de comunicação seja utilizado para fins ilícitos. Ponderação entre os princípios constitucionais, art. 5º, IV, IX e art. 5º, V e X, sendo estes últimos os que devem prevalecer na hipótese. E neste ponto o próprio réu reconhece a supremacia de tais direitos, pois disponibiliza em seu sítio uma ferramenta, ´denunciar abuso´, fls. 87, a qual, entretanto, não foi suficiente para por fim às agressões e palavras ofensivas contra a autora, a qual denunciou a situação, conforme documentos de fls. 39/44, sem que qualquer providência fosse tomada no sentido de sustar os ataques. Merece destaque a declaração do 1º demandado em audiência, fls. 51, justificando que ´...não respondeu aos e-mails da autora porque um robô quem faz a aferição desses casos...´. Desta forma o 1º réu possui responsabilidade objetiva em relação ao que é veiculado através do seu serviço, ainda que não seja por meio de censura prévia, mas sim, quando provocado a intervir diante de denúncia e permanece inerte.
No que tange a responsabilidade do 2º demandado, temos que o mesmo fomentou manifestações sobre a autora, fls. 26/27, além de ela própria ter tecido comentários, fls. 27. Ainda em relação ao 2º réu, houve omissão ao não excluir as agressões contra a autora de sua página, o que poderia ter realizado sem maiores transtornos. Ao contrário, não há sequer uma forma de repreensão aos demais usuários pelos comentários negativos e agressões. A tese defensiva, de que a própria demandante inseriu os comentários através da senha do próprio 2º réu, não encontra o mínimo suporte probatório, art. 333, II do CPC. A responsabilidade do 2º demandado está delineada no art. 186 do Código Civil, onde aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, devendo repará-lo na forma do art. 927 do mesmo diploma legal.
Interessante a ponderação realizada pelo magistrado entre o Art. 5º V e X[5] e Art. 5º IV e IX[6] de nossa Carta Magna, onde chega-se a conclusão de que os primeiros devem prevalecer na hipótese.
Situações como esta só comprovam que o direito está se adaptando e evoluindo para dar respostas efetivas à sociedade moderna, tais como a coibição à prática do cyberbullying em redes sociais da Web 2.0.
Referência Bibliográfica
JUNIOR, Nelson Nery. Leis Civis Comentadas. 10 ed. São Paulo: Ed. RT, 2007.
MELO, Nehemias Domingues. Dano Moral nas Relações de Consumo. 1 ed. São Paulo: Ed. Saraiva,
Notas
[1] Bullying[1] é um termo utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo (bully) ou grupo de indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outro indivíduo ou grupo de indivíduos.
[2] Mais informações em: < http://www.cyberbullying.org/> Acesso em: 13/01/2009.
[3] Termo usado para designar uma segunda geração da Internet, baseada em ferramentas que privilegiam a socialização e comunicação entre seus usuários
[4] DIREITO DO CONSUMIDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL - RECURSO ESPECIAL - INDENIZAÇÃO - ART. 159 DO CC/16 E ARTS. 6º, VI, E 14,DA LEI Nº 8.078/90 - DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO - SÚMULA 284/STF - PROVEDOR DA INTERNET - DIVULGAÇÃO DE MATÉRIA NÃO AUTORIZADA - RESPONSABILIDADE DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO – RELAÇÃO DE CONSUMO - REMUNERAÇÃO INDIRETA - DANOS MORAIS – QUANTUM RAZOÁVEL - VALOR MANTIDO.
1 - Não tendo a recorrente explicitado de que forma o v. acórdão recorrido teria violado determinados dispositivos legais (art. 159 do Código Civil de 1916 e arts. 6º, VI, e 14, ambos da Lei nº 8.078/90), não se conhece do Recurso Especial, neste aspecto, porquanto deficiente a sua fundamentação. Incidência da Súmula 284/STF.
2 - Inexiste violação ao art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, porquanto, para a caracterização da relação de consumo, o serviço pode ser prestado pelo fornecedor mediante remuneração obtida de forma indireta.
3 - Quanto ao dissídio jurisprudencial, consideradas as peculiaridades do caso em questão, quais sejam, psicóloga, funcionária de empresa comercial de porte, inserida, equivocadamente e sem sua autorização, em site de encontros na internet , pertencente à empresa-recorrente, como "pessoa que se propõe a participar de programas de caráter
afetivo e sexual" , inclusive com indicação de seu nome completo e número de telefone do trabalho, o valor fixado pelo Tribunal a quo a título de danos morais mostra-se razoável, limitando-se à compensação do sofrimento advindo do evento danoso. Valor indenizatório mantido em 200 (duzentos) salários mínimos, passível de correção monetária a contar desta data. 4 - Recurso não conhecido. STJ – RESP 566468-RJ DJU: 23/11/2004
[5] Art. 5º
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[6] Art. 5º
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Sucintamente, cyberbullying representa o uso da tecnologia da informação para a prática de atos hostis, deliberados e repetidos, por um indivíduo ou grupo de indivíduos, em direção a outro indivíduo ou grupo de indivíduos[2].
São cada vez mais comuns os casos de cyberbullying em redes sociais da chamada Web 2.0[3], tais como Orkut, Facebook, MySpace, Twitter e assemelhados. Neste estudo, iremos nos concentrar no Orkut, mantido pelo Google, tendo em vista sua enorme popularidade no Brasil.
Utilizado por milhões de brasileiros, o Orkut é uma ferramenta concebida para promover a interação social em um ambiente virtual. Para tanto, fornece inúmeras aplicações legítimas e benéficas, tais como discussões segmentadas em comunidades de interesses específicos.
Entretanto, como é da natureza humana, o Orkut não está livre de brigas e desavenças entre seus usuários, que muitas vezes deixam o patamar de mero desentendimento e transformam-se em verdadeiro cyberbullying. E quando isso ocorre, qual seria a responsabilidade do Google?
A primeira ponderação a ser feita envolve o tipo de relação existente entre o usuário do Orkut e o Google; seria ela de consumo? Em uma análise perfunctória, poder-se-ia concluir que não, na medida que trata-se de serviço oferecido sem qualquer ônus para o consumidor. Esta tese poderia ser defendida com a citação do §2º. do Art. 3º. do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe:
Art. 3º. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Pergunta-se: a expressão mediante remuneração acarretaria um óbice para aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações envolvendo usuários do Orkut e o Google?
Entendemos que não. A doutrina consumerista e a jurisprudência já consagraram a chamada remuneração indireta, onde o consumidor individual não tem gasto direto com uso de determinado serviço/produto[4], mas assim mesmo aplica-se o diploma consumerista.
Este é justamente o caso do Orkut.
Sabidamente, a principal fonte de receita do Google é a publicidade veiculada em todos os serviços oferecidos pela empresa. Desta feita, todos os usuários do Orkut contribuem indiretamente, ou mesmo diretamente, para a capitalização da companhia.
Portanto, ao nosso ver, inteiramente justificável a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da Teoria do Risco por ele consagrada. Destacamos abaixo decisão neste sentido do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
Ação de indenização por danos morais cumulada com pedido de condenação em obrigação de fazer, havendo pleito de antecipação da tutela, proposta pela 1ª. apelante em face da 2ª. apelante.Autora participante do Orkut, alegando que terceiro teria criado um novo cadastro com suas informações pessoais, copiando o seu perfil, fazendo-se passar pela própria autora naquela comunidade virtual, porém, difamando-a diante dos usuários, inclusive, amigos, o que, portanto, teria causado grave dano à sua imagem e à sua honra. Informa ainda que notificou a ré para que providenciasse a exclusão daquele cadastro falso, mas nada foi feito. Sentença que, considerando que houve falha da ré por não ter diligenciado a retirada do perfil falso da rede quando notificada pela autora, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a ré a pagar à autora a quantia de R$ 5.000,00, a título de reparação por danos morais, devidamente acrescida de correção monetária desde a data da sentença e juros leais desde a citação.Apelo de ambas as partes.Recurso da ré, contudo, que não merece prosperar, provendo-se parcialmente o da autora. A relação entre as partes é de consumo, sendo a segunda apelante prestadora de serviço à primeira apelante, sendo certo que, por este, é remunerada e muito bem remunerada através da publicidade de terceiros. Havendo relação de consumo, rege-lhe a responsabilidade o art. 14 CDC. Se discutida sua responsabilidade pela alteração do perfil, certo é que foi notificada para a exclusão.E, ante sua inércia, surge a responsabilidade. Ato ilícito caracterizado. Dano moral configurado.Valor indenizatório que não comporta redução e nem majoração, considerando-se o tempo decorrido entre o evento e a comprovação da retirada do perfil. Imputação, contudo, à ré dos ônus sucumbenciais.Inteligência da Súmula 326 STJ.Primeira apelação a que se dá parcial provimento, desprovendo-se a segunda. (TJRJ 2008.001.04540 - APELACAO CIVEL - 1ª Ementa DES. HORACIO S RIBEIRO NETO - Julgamento: 25/03/2008 - QUARTA CAMARA CIVEL)
Em outras palavras, ainda que o Google não seja o responsável direto pelo cyberbullying ocorrido no Orkut, deverá indenizar o consumidor pelos danos sofridos, na sistemática do Art. 17 do Código de Defesa do Consumidor.
Inclusive, relevante mencionar caso em que patrocinamos usuário do Orkut em ação de indenização por danos morais em face do Google e do praticante do cyberbullying, tendo o juízo monocrático acatado inteiramente a tese da remuneração indireta para caracterização da responsabilidade objetiva do Google.
Destacamos abaixo excertos da sentença proferida no caso acima aludido, onde 1º. Réu é o Google e 2ª. Réu a responsável pelo cyberbullying:
Primeiramente cabe analisar a argumentação do 1º réu de não ser fornecedor de produtos/serviços e, por conseguinte, a não aplicação da Lei 8.078/90. A tese está fundamentada na inexistência de remuneração pelo serviço prestado. A Lei 8.078/90 traz a definição de fornecedor no seu art. 3º e parágrafos, onde há o requisito da remuneração para o enquadramento naquela categoria. Entretanto, a doutrina pátria e a jurisprudência reconhecem existir diferença entre serviço oneroso/gratutito e remunerado. E neste passo o serviço é tido por remunerado mesmo quando a remuneração se dá de forma indireta, conforme decisões do STJ, REsp 566468/RJ e REsp 436.135/SP, quando a Corte reconheceu relação de consumo, respectivamente, em sítio de encontro e programa de televisão aberta. Assim sendo, o serviço prestado pelo 1º réu é remunerado. E no caso específico destes autos a causa de pedir se caracteriza como fato do serviço, pois a matéria ora discutida diz respeito à segurança do serviço prestado e a autora estaria enquadrada na categoria de consumidor por equiparação, na forma do art. 17 da legislação consumerista.
O 1º réu, como afirmado em sua contestação, hospeda páginas pessoais de seus usuários, através de perfis por eles criados. Entretanto, tal serviço não é estático, como por exemplo, uma propaganda, podendo ser atualizado minuto a minuto por seus usuários e existindo comunicação entre as pessoas que integram as comunidades. Em razão das características do serviço prestado, não se pretende que haja uma censura prévia nas comunicações dos usuários, mas não se pode permitir que tal meio de comunicação seja utilizado para fins ilícitos. Ponderação entre os princípios constitucionais, art. 5º, IV, IX e art. 5º, V e X, sendo estes últimos os que devem prevalecer na hipótese. E neste ponto o próprio réu reconhece a supremacia de tais direitos, pois disponibiliza em seu sítio uma ferramenta, ´denunciar abuso´, fls. 87, a qual, entretanto, não foi suficiente para por fim às agressões e palavras ofensivas contra a autora, a qual denunciou a situação, conforme documentos de fls. 39/44, sem que qualquer providência fosse tomada no sentido de sustar os ataques. Merece destaque a declaração do 1º demandado em audiência, fls. 51, justificando que ´...não respondeu aos e-mails da autora porque um robô quem faz a aferição desses casos...´. Desta forma o 1º réu possui responsabilidade objetiva em relação ao que é veiculado através do seu serviço, ainda que não seja por meio de censura prévia, mas sim, quando provocado a intervir diante de denúncia e permanece inerte.
No que tange a responsabilidade do 2º demandado, temos que o mesmo fomentou manifestações sobre a autora, fls. 26/27, além de ela própria ter tecido comentários, fls. 27. Ainda em relação ao 2º réu, houve omissão ao não excluir as agressões contra a autora de sua página, o que poderia ter realizado sem maiores transtornos. Ao contrário, não há sequer uma forma de repreensão aos demais usuários pelos comentários negativos e agressões. A tese defensiva, de que a própria demandante inseriu os comentários através da senha do próprio 2º réu, não encontra o mínimo suporte probatório, art. 333, II do CPC. A responsabilidade do 2º demandado está delineada no art. 186 do Código Civil, onde aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, devendo repará-lo na forma do art. 927 do mesmo diploma legal.
Interessante a ponderação realizada pelo magistrado entre o Art. 5º V e X[5] e Art. 5º IV e IX[6] de nossa Carta Magna, onde chega-se a conclusão de que os primeiros devem prevalecer na hipótese.
Situações como esta só comprovam que o direito está se adaptando e evoluindo para dar respostas efetivas à sociedade moderna, tais como a coibição à prática do cyberbullying em redes sociais da Web 2.0.
Referência Bibliográfica
JUNIOR, Nelson Nery. Leis Civis Comentadas. 10 ed. São Paulo: Ed. RT, 2007.
MELO, Nehemias Domingues. Dano Moral nas Relações de Consumo. 1 ed. São Paulo: Ed. Saraiva,
Notas
[1] Bullying[1] é um termo utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo (bully) ou grupo de indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outro indivíduo ou grupo de indivíduos.
[2] Mais informações em: < http://www.cyberbullying.org/> Acesso em: 13/01/2009.
[3] Termo usado para designar uma segunda geração da Internet, baseada em ferramentas que privilegiam a socialização e comunicação entre seus usuários
[4] DIREITO DO CONSUMIDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL - RECURSO ESPECIAL - INDENIZAÇÃO - ART. 159 DO CC/16 E ARTS. 6º, VI, E 14,DA LEI Nº 8.078/90 - DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO - SÚMULA 284/STF - PROVEDOR DA INTERNET - DIVULGAÇÃO DE MATÉRIA NÃO AUTORIZADA - RESPONSABILIDADE DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO – RELAÇÃO DE CONSUMO - REMUNERAÇÃO INDIRETA - DANOS MORAIS – QUANTUM RAZOÁVEL - VALOR MANTIDO.
1 - Não tendo a recorrente explicitado de que forma o v. acórdão recorrido teria violado determinados dispositivos legais (art. 159 do Código Civil de 1916 e arts. 6º, VI, e 14, ambos da Lei nº 8.078/90), não se conhece do Recurso Especial, neste aspecto, porquanto deficiente a sua fundamentação. Incidência da Súmula 284/STF.
2 - Inexiste violação ao art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, porquanto, para a caracterização da relação de consumo, o serviço pode ser prestado pelo fornecedor mediante remuneração obtida de forma indireta.
3 - Quanto ao dissídio jurisprudencial, consideradas as peculiaridades do caso em questão, quais sejam, psicóloga, funcionária de empresa comercial de porte, inserida, equivocadamente e sem sua autorização, em site de encontros na internet , pertencente à empresa-recorrente, como "pessoa que se propõe a participar de programas de caráter
afetivo e sexual" , inclusive com indicação de seu nome completo e número de telefone do trabalho, o valor fixado pelo Tribunal a quo a título de danos morais mostra-se razoável, limitando-se à compensação do sofrimento advindo do evento danoso. Valor indenizatório mantido em 200 (duzentos) salários mínimos, passível de correção monetária a contar desta data. 4 - Recurso não conhecido. STJ – RESP 566468-RJ DJU: 23/11/2004
[5] Art. 5º
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[6] Art. 5º
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
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