sexta-feira, 12 de março de 2010

Bullying: a batalha das palavras boas contras as palavras más




“Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda sim plantaria a minha macieira. O que me assusta não é a violência de poucos, mas a omissão de muitos. Temos aprendido a voar como pássaros, a nadar como peixes, mas não aprendemos a sensível arte de vivermos como irmãos” – Martin Luther King.

Bullying. A palavra pertence à língua inglesa e tem significado abrangente em português. Embora a tradução mais precisa seja “intimidação”, vale lembrar que o termo tem na sua raiz a palavra bully.



A Associação Brasileira Multiprofissional de proteção à Infância e à Adolescência – ABRAPIA, num de seus documentos define bullying como “todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação desigual de poder”.



O termo, adotado em vários países, vem definir todo o tipo de comportamento agressivo, intencional e repetido às relações interpessoais.



Ofender, zoar, gozar, humilhar, discriminar, excluir, isolar, ignorar, intimidar, perseguir, assediar, aterrorizar, amedrontar, tiranizar, dominar, bater, chutar, empurrar, ferir, roubar e quebrar pertences são comportamentos típicos do fenômeno bullying.



Os primeiros resultados sobre o diagnóstico do bullying foram informados por Olweus em 1989 já mostrando que 1 em cada 7 estudantes já estava envolvido com situações de bullying.



Exatamente em 1993, Olweus publicou o livro Bullying at School. Essa obra deu origem a primeira campanha nacional anti-bullying nas escolas norueguesas. Foram pesquisas abrangentes e profundas, atingindo escolas, pais, professores e alunos. Reduzindo em 50% os casos de bullying nas escolas.



O programa de intervenção proposto por Olweus, desenvolvia regras claras contra o bullying nas escolas. Alcançar um envolvimento por parte dos professores e pais e aumentar a conscientização do problema.



Para Peter Randal, o bully conquista algo que quer. Às vezes é a extorsão de algo de valor, como sua propriedade ou seu direito a férias ou mesmo vagas de estacionamentos.



O filósofo Pierre Bourdier, que trabalhou muito com o social, deixa bem claro que essa violência coage a pessoa, criando situação onde o indivíduo sofre muito. Sofre agressões físicas, morais, de raça, gênero etc. Sempre inferiorizando o outro. O bullying se enquadra nisso, pois trata-se de uma humilhação constante.



Apesar da frase de efeito que ouvimos desde crianças, “paus e pedras quebram meus ossos, mas palavras não me atingem”, ser vítima de bullying com certeza atinge, e muitas vezes são letais.



As vítimas do bullying e aqueles que testemunham se tornam mais propensos ao abuso do álcool e drogas. Essas são conclusões do estudo publicado na edição de dezembro de 2009 do periódico Psychology Quarterly.



Diz Rivers: “No caso daqueles que apenas testemunhamos atos os níveis de estresse podem ser reflexo da antecipação do fato de que, se um amigo foi vítima, o próximo da lista pode ser ele”.



No Brasil, parece que as pesquisas sobre bullying começaram no Rio Grande do Sul, com a professora Marta Canfield, professora da Universidade Federal de Santa Catarina. Recentemente (2002 e 2003), em São José do Rio Preto- SP, uma pesquisa envolvendo cerca de 2.000 alunos, em oito escolas das redes pública e particular, revelou que 49% dos entrevistados estavam envolvidos com o bullying.



Ainda pouco estudado no Brasil e quase totalmente desconhecido pela comunidade jurídica, o fenômeno bullying começa a ganhar espaço nos estudos desenvolvidos por pedagogos e psicólogos ligados às instituições de ensino, a partir de meados da década de 1990.



O bullying é um problema mundial, sendo encontrado em toda e qualquer escola, não estando restrito a nenhum tipo específico de instituição primária ou secundária, pública ou privada. As escolas que não admitem a ocorrência do fenômeno entre seus alunos ou desconhecem o problema ou se negam a enfrentá-lo.



Ações e comportamentos excessivos de crianças e adolescentes no ambiente escolar, ainda ignorados ou tratados como “normais” por pais e professores, tornaram-se um grande problema do século XXI.



Em um primeiro momento, podem parecer comportamentos agressivos que ocorrem nas escolas e que são tradicionalmente admitidos como naturais. Para alguns, atitudes inerentes ao “amadurecimento” de crianças e adolescentes; para outros, ações de profundo desrespeito ao próximo e que carecem de análise.



Ao aprofundarmos nossa reflexão, veremos claramente que o bullying, fenômeno cruel e silencioso, não traz somente consequências negativas para o ambiente escolar.



O fenômeno bullying é um problema mais sério do que se pensa.



Para o Promotor de Justiça de Minas Gerais Lélio Braga Calhau, o fenômeno estimula a delinquência, induzindo as outras formas de violência explícita aptas a produzir, em larga escala, “cidadãos estressados, deprimidos e com baixa auto-estima, capacidade de auto-afirmação e de auto-expressão, além de propiciar o desenvolvimento de sintomatologias de estresse, de doenças psicossomáticas, de transtornos mentais e de psicopatologias graves”.



As estatísticas vindas de estudos realizados por pediatras, pedagogos e psicólogos mostram números cada vez mais preocupantes de tal prática em nossas instituições de ensino.



A responsabilidade jurídica diante do comportamento agressivo de estudantes (humilhar, discriminar, ofender, intimidar, perseguir, etc.).



Em decisão inédita proferida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, os desembargadores, por unanimidade, condenaram uma instituição de ensino a indenizar moralmente uma criança pelos abalos psicológicos decorrentes de violência escolar praticada por outros alunos, tendo em vista a ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.



Não obstante outras decisões envolvendo violência escolar têm-se esta como decisão pioneira, eis que relatou abertamente um fenômeno estudado por médicos e educadores em todo o mundo – o bullying.



Na decisão proferida pelo TJDFT, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade civil das escolas por defeito na prestação de serviço é objetiva.



Nesses termos, importante considerar que a entidade de ensino é investida no dever de guarda e preservação da integridade física e psicológica do aluno, com a obrigação de empregar a mais diligente vigilância, objetivando prevenir e evitar qualquer ofensa ou dano decorrente do convívio escolar.



Considerando que o estabelecimento de ensino não atentou para o papel da escola como instrumento de inclusão social, a condenação foi de rigor.



Não existe uma legislação específica tratando do tema, cabendo ao Judiciário aplicar as regras e sanções previstas na Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, no Código Penal, por exemplo.



Reduzir a prevalência de bullying nas escolas pode ser uma medida de saúde pública altamente efetiva para o século XXI.



Segundo Jane Middelton-Moz e Mary Lee Zawadski, “Para reduzir os incidentes desse tipo em nossos bairros e comunidades, deve haver um aumento significativo no nível de consciência acerca do bullying que está acontecendo ao nosso redor. Se permitirmos que este fenômeno crie raízes e desabroche em nossas escolas, casas, locais de trabalho, bairros e na sociedade em geral, ele acabará por causar ainda mais medo, abandono aprendido, opressão e mágoa”.



Nossa falta de consciência costuma fazer com que sejamos surdos e cegos em relação à dor vivenciada pela juventude e, como resultado disso, nossos jovens muitas vezes se tornam prisioneiros de sua tristeza e depressão. “Os que tentaram suicídio frequentemente nos dizem que não tentaram se matar porque queriam estar mortos, e sim porque não queriam continuar vivendo como estavam vivendo.”



Um menino de 14 anos que havia sido vítima de bullying por algum tempo e cometeu suicídio para escapar à dor, deixou o seguinte bilhete à sua mãe: “Eu poderia pegar uma arma e atirar em todos os meninos, mas não sou uma pessoa má. Também não vou dizer quem são os bullies. Você sabe quem eles são. Eu ria por fora e chorava por dentro. Mãe, depois da minha morte, vá até a escola e fale com os meninos. Diga para que parem com o bullying uns sobre os outros, pois isso machuca, profundamente. Estou tirando minha vida para mostrar o quanto machuca” (Moharib, 2000).



Os bullies têm poder porque lhes damos esse poder por meio de nossa apatia e do nosso silêncio.



Lemos sobre eles em nossos jornais, vemos rostos das vítimas em nossos aparelhos de TV, testemunhamos sua existência em nossas vidas cotidianas e, sim, vivenciamos esses fatos em primeira mão. Minimizar a extensão do problema nos permitiu fingir que não é conosco, ficar em silêncio, e isso faz aumentar nossa crença de que nada podemos fazer a respeito.



Muito cedo, as crianças são classificadas e confinadas em subgrupos ou panelinhas nas escolas e nos bairros, segundo aparência, interesses ou comportamento: “os populares”, “os atletas”, “os cabeças”, “os atletas”, “os esquisitos”, “os estranhos”, “os CDFs,”, “os rejeitados”, “os retardados”, “os ninguéns”, “as bichinhas”.



Em Real Boys Voices, Willian Pollack descreve as técnicas de sobrevivência que os meninos aprendem cedo para cumprir o “código dos rapazes” e essa máscara os meninos reprimem completamente sua vida emocional interior, e, em lugar dela, fazem o tipo valentão, tranquilo, desafiador, imperturbável, extravasando sua dor na forma de risadas. Eles podem se desenvolver fortes e silenciosos ou agredir com punhos e palavras beligerantes (Pollack e Shuster, 2000, p. 33)



Esperamos que “encontrem” uma resposta, quando a resposta está na consciência de que não se trata de “encontrarem” , e, sim, de “encontrarmos”.



Para encontrar uma solução, precisamos acordar, e depois acordar os outros que ainda estão dormindo. Precisamos fortalecer a nós mesmos, os nossos vizinhos e os nossos filhos.



Bullying: minha, sua, nossa responsabilidade!




KATHIA MATTOS, advogada, inscrita na OAB sob o nº 4836/ES, atua no Estado do Espírito Santo há mais de 24 anos. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo. Pós-graduada em Direito Público pela Faculdade Metodista do Espírito Santo.

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